A
educação acontece em diferentes lugares. Inclusive diante das descobertas
propiciadas por uma obra de arte. Só este ano, em São Paulo, a exposição que
celebrou os 60 anos da Fundação Bienal, a mostra “Em nome dos artistas”
atendeu, via setor educativo, 50 mil pessoas (segundo noticiado pela Folha
de S.Paulo em 5 de dezembro de 2011) – o equivalente a mais da metade do
público total do evento.
Outras
grandes exposições, como o Videobrasil, ocorrido em 2011 no Sesc Belém e em
outros espaços, alcançou quase um terço do seu público total graças ao setor
educativo (dados da própria instituição), muitos dos quais foram visitantes que
vieram com suas escolas. Para conhecer os desafios profissionais da área,
conversamos com as educadoras Carolina Velasquez, Cristina Walter e Valquíria
Prates, todas atuantes no setor há pelo menos dez anos.
Sem um
levantamento de quantos são ou uma associação que atenda às demandas da
categoria, os trabalhadores do setor sabem que lidar com educação não formal em
São Paulo significa, involuntariamente, militar pela estruturação na área,
provando a cada dia o valor da prática educativa desenvolvida em outros espaços
além da sala de aula.
Dos
muitos museus e instituições culturais da cidade, são poucos os que contam com
um corpo fixo de educadores, ou com um setor educativo. Num momento em que a
pressa parece ser a chave-mestra dos entendimentos e da comunição vigente,
tirar um tempo para si e contar também com interlocutores bem preparados e
abertos para o diálogo em torno da produção de arte pode significar uma
valorosa transformação nas convivências – e, onde tem transformação, tem
trabalho.
Abaixo,
as entrevistadas contam que trabalho é esse, as peculiaridades e as principais
dificuldades da profissão.
Quais os
principais campos de atuação para o educador não formal?
Museus,
centros culturais e ONGs, que também têm crescido bastante em participação no
mercado.
Como é o
trabalho do educador para arte em museus?
A cada
novo trabalho temos um curso que nos provê do conteúdo da exposição em que se
vai trabalhar. É uma atividade permeada por muito estudo, portanto. Um educador
não pode deixar nunca de pesquisar, estudar, realizar textos. Daí
posteriormente existe o contato com o público, que é diário.
A atuação é
voltada aos interesses singulares de cada visitante, a partir dos percursos
possíveis de acordo com o que cada exposição está apresentando. Transita-se
pelos assuntos das exposições a partir dos interesses identificados nos
próprios visitantes. Para isso, buscam-se equipes multidisciplinares, já que a
atividade também o é. O que acho complicado é o formato que a profissão tem
aqui no Brasil, ou em São Paulo. Trabalha-se por projeto, e dificilmente existe
uma equipe fixa num determinado museu, ou centro cultural. A instabilidade é
difícil, principalmente para quem está começando. É uma dificuldade posta pelo
próprio mercado.
Que tipo
de dificuldades enfrenta o trabalhador da área?
A
primeira delas é não ter registro na carteira. Se você fica dois ou três meses
sem trabalhar, entre uma exposição e outra, é necessário fazer a contribuição
do INSS por conta própria, por exemplo. Fora 13º, férias, ou seja, não há
nenhuma segurança. E todo mundo quer ter o mínimo de estabilidade. Isto vem de
uma política que barateia o custo para as instituições, e assim ela pode
trabalhar com “n” pessoas diferentes.
O que
caracteriza o trabalho com a educação não formal?
Na
educação não formal existe uma liberdade de criação muito grande. É um grande
espaço de experimentação aplicada de diversas metodologias. Por outro lado,
existe uma dificuldade muito presente para sistematizar o desenvolvimento
diário conquistado na profissão, quanto às relações estabelecidas com o público
ao longo das últimas décadas. Existe uma certa falta de consciência do educador
como um profissional atuante. Tanto por parte dos setores mais burocráticos das
instituições quanto às vezes dos próprios educadores. O conhecimento, nesta
profissão, tende a ser muito segmentado, o que dificulta a apreciação dos
resultados e dos objetivos consolidados.
Quem são
os trabalhadores da área?
Inicialmente
eram estudantes universitários, não necessariamente de licenciatura, que
procuravam ou um estágio, ou um meio de subsistência financeira, ou ainda uma
maneira de enriquecer seu repertório a partir da formação proporcionada pelas
instituições previamente às mostras de arte – o assim chamado “período de
formação”. É um mercado que reúne estilos muito diversos de prática, conforme o
posicionamento de cada instituição. Muitos dos profissionais acabam tendo de se
desdobrar tanto entre suas atividades acadêmicas, quanto de produção do próprio
trabalho de arte, bem como no atendimento às escolas e ao público espontâneo em
atividades voltadas à educação não formal.
Quais os
maiores desafios para um educador da área?
Como
conciliar a realização financeira com o tempo do estudo e do trabalho. São
necessidades pelas quais passam os educadores que escolheram viver da sua arte
– atividade simultânea adotada por muitos que trabalham também com a educação
não formal. O que vem primeiro: a sua autonomia e a constituição do seu próprio
saber e de sua formação, ou as demandas instituicionais a que se está atrelado?
Pode ser difícil alcançar um equilíbrio quando muitas vezes é preciso lidar
inclusive com a simultaneidade de empregos, acumulando jornadas de trabalho,
isso em meio aos complexos deslocamentos por uma cidade como São Paulo, por
exemplo.
Como é o
dia a dia profissional de um educador não formal?
O educador
não formal precisa sempre aprender de novo, a partir do contato com coisas que
se colocam no cotidiano, tanto quanto ao repertório, bem como da metodologia
para o trabalho. É uma atividade em que, mais que nunca, a forma do que se está
ensinando é tão importante quanto o que está sendo ensinado. São ações
repensadas em sua duração e procedimentos no transcorrer do caminho. Tem a ver,
portanto, com como convocar para a aprendizagem, tema recorrente na educação
não formal.
Quais as
peculiaridades da prática educativa não formal?
Na
educação não formal, como a gente não necessariamente está no espaço de sempre,
como é o caso de uma sala de aula, a gente precisa desenvolver também maneiras
diferentes de abordagem. O espaço da sala de aula já carrega décadas de
pensamento sobre isso; o da educação não formal, até por ser uma coisa recente,
não.
Quais os
principais desafios para o trabalhador da área?
Por se
trabalhar com contratos de trabalho com duração determinada, existe uma
insegurança profissional e muitas vezes até financeira. Você pode estar no
mercado de educação não formal com carteira assinada, benefícios, etc., mas em
geral, o que acontece é que o mercado brasileiro para a área é caracterizado
como um serviço, algo transitório, o que não deixa as pessoas terem a sensação
de estabilidade. Para muita gente, isto pode ser muito bacana: você está sempre
mudando. Por outro lado, você não consegue ter um trabalho continuado, com o
mesmo grupo de pessoas. Tanto com relação aos seus pares, quanto àqueles que
são os educandos. É um grande desafio. E para a instituição que promove a
educação não formal também. É uma herança do neoliberalismo exarcebado nos anos
1990, no qual o lugar da cultura, que é o campo de atuação da educação não
formal, é entendido como uma prestação de serviço, com oscilações e
fragilidades, dependente de variáveis orçamentárias que não têm
sustentabilidade própria. Isto acaba refletindo nas relações de trabalho. Todo
esse contexto redunda num desafio maior, que é o de como se colocar
politicamente dentro das instituições e do seu próprio trabalho, ou seja, quais
concessões fazer e quais não, ou porquê este ou aquele formato de trabalho, com
abertura para tal e tal público? É um trabalho em que se trata, acima de tudo,
de uma formação política, inclusive do prórpio educador. Acaba sendo um jeito
de responder a quais narrativas de vida se quer para si, e é quando se tem a
possibilidade de descobrir que pouca coisa não está ao alcance da gente mesmo
mudar.
*
Publicado originalmente no site Portal
Aprendiz.
(Portal
Aprendiz)
Fonte: http://envolverde.com.br/educacao/entrevista-educacao/educadores-revelam-os-desafios-de-ensinar-fora-da-sala-de-aula/.
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